Baptista Luz

17/09/2020 Leitura de 10’’

Publicidade Digital e o Legítimo Interesse na LGPD: o Guia Definitivo

17/09/2020
  • 10’’
  • / Escrito por:

    Pedro Henrique Ramos

O setor de publicidade digital será impactado pela entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (“LGPD”) brasileira. Mas, afinal, o que mudará na publicidade digital?

Com o objetivo de explicar estas mudanças, elaboramos um guia definitivo em formato de FAQ  para demonstrar qual a relação entre publicidade digital e o legítimo interesse na LGPD. Confira:

 

1. Antes de mais nada, eu posso continuar a fazer publicidade direcionada depois de a LGPD entrar em vigor?

Claro que sim! Não há qualquer proibição legal para realização de publicidade com dados pessoais no Brasil. Além de não ser ilegal, há benefícios importantes para a sociedade: 

  • a personalização permite que o valor da publicidade seja mais percebido pelas pessoas; 
  • viabiliza a decisão econômica dos consumidores, sendo parte integrante de todo o sistema econômico; 
  • estimula a demanda, educa o consumidor sobre novos produtos, serviços e programas sociais;  
  • aumenta a concorrência e ajuda a trazer em evidência novos produtos para o consumidor;  
  • estimula pequenos negócios, que conseguem distribuir sua mensagem de forma direcionada e com menos custos; 
  • promove uma qualidade mais alta dos produtos e serviços; ajuda a introduzir inovações de maneira mais rápida e eficaz ao consumidor; 
  • democratiza as informações para os consumidores sobre quais produtos estão disponíveis. 

 

Além disso, sempre houve limites. A publicidade direcionada não pode ser utilizada de forma que gere qualquer tipo de discriminação entre indivíduos, afetando direitos importantes dos titulares, e também não pode ser utilizada para promover anúncios abusivos ou enganosos. Com a LGPD, surgem novas obrigações, e que são possíveis de cumprir. 

 

2. E a publicidade direcionada pode ser feita com base no legítimo interesse, certo?

Claro! A LGPD até fala expressamente do uso dessa base legal para apoio e promoção de atividades do controlador (art. 10, I). É, aliás, a base legal ideal, e traz várias vantagens:  

  • cria condições de análise que reduzem a subjetividade, por meio de testes; 
  • traz liberdade para os atores da cadeia, pois respeita as características técnicas específicas da internet; 
  • possui uma série de requisitos legais mais duros que as outras bases legais, protegendo bem o titular de dados; 
  • possui uma redação legal sólida, e não é necessário recorrer a referências estrangeiras para analisar a nossa própria lei – e que já estão sendo consideradas ultrapassadas exatamente por não considerarem o legítimo interesse para a publicidade direcionada1. 

 

3. E por que não o consentimento? 

O consentimento por aqui é uma base legal como qualquer outra – não é mais, nem menos importante do que o legítimo interesse. É uma questão de escolha de arquitetura que, na prática, é muito difícil de ser aplicado e de realmente proteger os titulares. 

Para começar, o consentimento também possui requisitos bastante específicos e rígidos – demonstrar uma manifestação livre, informada e inequívoca, por exemplo, não é fácil. Se por um lado o consentimento diminui a liberdade econômica e inovação (além de ser contra intuitivo em nossa cultura), o consentimento é, de longe, o requisito legal mais sujeito a fraudes e armadilhas, além de potencialmente criar situações bizarras em alguns modelos de negócio. 

O consentimento por meio de cadastros prévios é até mais simples do que conseguir a atenção do usuário por meio de um aviso de cookies. Mas isso dá uma vantagem competitiva a determinados competidores, em especial quando o usuário precisa passar pelo cadastro para utilizar determinado serviço que já é bem estabelecido e com boa reputação. 

Ou seja, além de não ser tão eficiente para proteger os titulares, o consentimento gera concentração econômica2: há estudos que demonstraram que o impacto imediato da GDPR (que, em combinação com a ePrivacy Directive, favorecia em regra um regime de consentimento para a publicidade digital, e não de legítimo interesse) privilegiou as maiores empresas do setor3, e pequenas adtechs tiveram queda de até 30% em seus faturamentos! 

 

4. Mas afinal, existe expectativa do usuário que seus dados serão tratados para a publicidade direcionada? 

Sim, sem dúvidas. Há uma razoável expectativa dos usuários de que portais e aplicativos gratuitos são sustentados pela publicidade (na Inglaterra, somente 13% dos usuários são contra a publicidade online como contrapartida ao acesso gratuito a sites4; nos EUA, 85% dos usuários preferem acessar sites gratuitamente, suportados por publicidade, do que sites pagos)5. Além disso, o fato de existirem mecanismos em grandes sites que recebem reclamações quando o anúncio não é direcionado corretamente reforça ainda mais essa percepção.

Em verdade, o uso de dados para publicidade direcionada é em geral até menos intrusivo do que os que cidadãos brasileiros estão acostumados a fornecer em diversas situações cotidianas, como cadastros em comércios, sites e formulários para programas de governo! 

Mas nem tudo são flores aqui. Uma questão importante do mercado é que os usuários não possuem consciência razoável que o modelo de mídia programática (em especial, o modelo de leilão em tempo real – RTB) pode significar que uma série de empresas diferentes tenha acesso (ainda que instantâneo e automatizado) a dados relacionados com o mesmo user ID. Logo, é importante que as empresas do setor, em conjunto e individualmente, criem formas de dar maior visibilidade aos usuários sobre o funcionamento dessa cadeia e sobre o trade-off envolvido. 

 

5. Somente os dados estritamente necessários são tratados em operações de mídia programática? 

A imensa maioria das operações de mídia programática utiliza prioritariamente dados de navegação, que são coletados por meio de cookies ou device IDs, incluindo IP, data e hora de acesso, localização geográfica, fonte de referência, tipo de navegador, duração da visita e páginas visitadas; e dados sobre o dispositivo de acesso, como modelo, fabricante, sistema operacional, operadora, navegador, tipo e velocidade da conexão. São dados que, na maioria dos casos, são suficientes para uma entrega personalizada de um anúncio. 

Algumas tecnologias podem integrar também dados de cadastro (e.g. nome, CPF, endereço). Isso pode permitir uma oferta ainda mais relevante para o titular, mas também é um ponto de atenção importante para a indústria: caso não haja uma justificativa razoável para o uso dessas informações, o tratamento pode ser anulado. Sempre deve ser feita uma avaliação cuidadosa tanto para entender o real impacto econômico da inclusão desses dados, como também os riscos jurídicos e como mitiga-los. 

 

6. Como adotar medidas de transparência na mídia programática? 

O uso de avisos de cookies como destaque em sites e aplicativos, embora seja pouco eficiente para o consentimento, pode ser muito útil para aumentar a transparência e gerar conscientização dos usuários sobre o uso dessas tecnologias para coleta de dados pessoais. É importante que a redação desses avisos seja sempre a mais clara possível, redirecionando para políticas de privacidade também escritas de maneira simples e de fácil compreensão. 

Uma dica é promover também a transparência por meio dos próprios anúncios. Desde 2010, o IAB e outras associações promovem o AdChoices, uma ferramenta acoplada a anúncios que permite ao usuário entender como o anúncio foi entregue a ele e, caso prefira, possa bloquear a entrega de anúncios semelhantes. Mais de 200 empresas do setor de publicidade digital já aderiram ao programa e utilizam essa ferramenta em seus anúncios. 

 

7. E como garantir o exercício dos direitos dos titulares na mídia programática?

Além de ferramentas como o Adchoices e o uso de navegadores anônimos, vários sites têm implementado tecnologias que permite a configuração de preferências em relação a cookies. Ainda que não seja uma exigência explícita do legítimo interesse, essas ferramentas constituem uma boa prática, que tem tudo para crescer nos próximos meses. 

Além das políticas de privacidade, sites e aplicativos devem oferecer também e-mails de contato com seus Data Protection Officers, para que os titulares possam tirar dúvidas, solicitar correções e exercer outros direitos. Alguns sites também começam a desenvolver seus privacy dashboards, ferramentas que permitem exercer esses direitos de forma automatizada. 

 

8. Se eu sou um anunciante e quero fazer publicidade direcionada, quais são os cuidados que tenho que ter ao contratar uma agência digital ou uma plataforma de mídia?

Exija também que seus fornecedores estejam adequados à LGPD. Um primeiro caminho que mitiga esses riscos é a elaboração de acordos de tratamento de dados, para limitar responsabilidades, estabelecem padrões de conduta e, em especial, estabelecem penalidades em caso de descumprimento das obrigações, permitindo o direito de regresso em caso de responsabilização solidária por terceiros. 

Um bom contrato desse tipo deveria conter cláusulas como: 

 

  • a obrigação do operador de somente tratar os dados em conformidade com as instruções recebidas pelo controlador; 
  • a obrigação de ambas as partes em manter os dados em sigilo e utilizando-se de padrões adequados de segurança da informação; 
  • a obrigação do operador em colaborar, na medida do possível, com o controlador no cumprimento de suas obrigações de proteção de dados; 
  • a obrigação do operador de devolver e/ou excluir os dados ao término do contrato. 

 

9. Eu sou um publisher e quero garantir que as plataformas de mídia que eu contrato estão adequadas à LGPD. O que eu posso fazer?

Exigir via contratos também é uma das alternativas. Todavia, considere também realizar uma auditoria nas tags que são utilizadas no site. Você sabe quantas empresas implementam tags no seu site e para quais finalidades? Que dados elas estão coletando? Os termos de uso dessas tecnologias permitem direito de regresso? São empresas que possuem compromisso sério com proteção de dados pessoais e segurança da informação? Essa é a hora de fazer as perguntas certas e, dependendo do resultado, avaliar os fornecedores e eventualmente reestruturar a forma como as informações são automaticamente coletadas em seu site. 

 

10. E o que a sociedade ganha com uma publicidade direcionada adequada e sustentável? 

A essa altura, ninguém precisa convencer ninguém que o uso de dados pessoais é essencial para a publicidade moderna. De uma certa maneira, a publicidade baseada em dados sustenta a ideia de uma internet em que o acesso a conteúdo é o mais aberto, livre e democrático possível. 

Sem dados, vários serviços seriam pagos e a publicidade não seria tão personalizada e relevante para os usuários (que sentido faria uma pessoa de São Paulo ser impactada com anúncios de promoções em restaurantes em Salvador?). Isso sem falar dos benefícios de descentralização: se uma boutique de roupas de uma cidade do interior do Brasil consegue montar um e-commerce e aumentar seu faturamento, isso é, sim, por causa da publicidade direcionada. 

Como diria o princípio de Peter Parker: Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. 


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